OMS foi a Wuhan e descobriu pouco sobre a origem do vírus
Peritos da Organização Mundial da Saúde foram pela primeira vez à província chinesa onde tudo terá começado e a conclusão foi de que uma investigação destas leva anos.
Por Moussa Garcia
Investigative journalist
Washington DC
11 Fevereiro 2021
Os líderes da comitiva da OMS e da China numa das visitas durante este mês.
Os líderes da comitiva da OMS e da China numa das visitas durante este mês.
Um ano depois de os primeiros doentes terem sido identificados na China, e em vésperas dos festejos do Ano Novo Chinês, na próxima sexta-feira, a equipa de 13 cientistas da Organização Mundial da Saúde (OMS), envolvendo virologistas, epidemiologistas, veterinários, zoologistas e especialistas em segurança alimentar, que se deslocou pela primeira vez à cidade de Wuhan, sai de lá com poucas certezas sobre a origem deste novo coronavírus. Isto mesmo foi transmitido aos jornalistas numa conferência de imprensa, realizada ontem, num hotel daquela cidade, dada em conjunto com o líder da equipa de investigadores chineses que acompanharam a missão.
Para a comunicação social presente, os dados preliminares referidos pelo líder da equipa da OMS, o zoologista holandês Peter Ben Embarek , deixam muito a desejar, “não surpreenderam”. O jornal espanhol El Mundo, presente na conferência, dá mesmo a imagem de que as perguntas e as dúvidas dos jornalistas eram sobejamente mais do que as respostas que os cientistas tinham para dar. Mas Peter Ben Embarek elucidou que a origem de um vírus necessita de muito mais investigação, daí que estes resultados sejam normais e até previsíveis.
Por agora, e ao fim de quase um mês da chegada a Wuhan – que ocorreu a 14 de janeiro, e marcada pelo episódio de dois dos cientistas terem sido barrados à entrada por terem revelado anticorpos ao SARS- CoV-2 -, as conclusões deixadas foram que o coronavírus é de origem animal; que é pouco provável que tenha saído de um laboratório; que não é certo que o foco de transmissão inicial tenha sido o mercado de marisco de Wuhan, e que não há evidências de que o vírus já circulava na comunidade antes de dezembro de 2019. A única certeza que mantiveram foi a de que os morcegos terão sido o principal transmissor do novo vírus.
A equipa de investigadores da OMS partiu para esta segunda viagem à China – já que a primeira decorreu em julho do ano passado, seis meses depois da declaração da doença, mas durante a qual não puderam visitar Wuhan, onde se acredita que terá começado a pandemia – com um objetivo científico, mas também com a marca de duas grandes acusações políticas sobre aquele país: a primeira, de que o Governo chinês teria respondido tarde à doença, já que era dado como certo de que os primeiros casos terão começado a circular na comunidade no início de novembro, a segunda de que o vírus teria saído de um laboratório, o que foi inclusive aproveitado pelo ex-presidente norte-americano, Donald Trump. Mas o porta-voz da equipa da OMS começou por sublinhar não terem encontrado qualquer informação ou evidência de que “o vírus já circulava na comunidade antes de dezembro de 2019”, reforçando, mas sem dar certezas, que “é muito pouco provável que o vírus tenha saído de um laboratório”.
As polémicas e as teorias conspiratórias estavam assim afastadas, ficando apenas a questão científica. Segundo explicou o cientista holandês à comunicação social presente no hotel, as duas primeiras semanas desta equipa de peritos foram passadas a cumprir a quarentena e a trabalhar apenas por videoconferência com os cientistas chineses. As duas últimas semanas foram preenchidas com visitas ao mercado de marisco de Wuhan, ao laboratório de alta segurança onde eram estudados os coronavírus em morcegos e aos hospitais onde foram atendidos os primeiros doentes.
Na semana passada, Peter Ben Embarek afirmou que a China estava a fornecer dados nunca antes mostrados, mas sem ter especificado quais, defendendo-se ao mesmo tempo da falta de respostas com o facto de se estar perante uma pandemia e de um mundo a exigir respostas mágicas sobre a sua origem, o que em termos de ciência não é possível.
Posto isto, Peter Ben Embarek explicou a metodologia adotada pela equipa que lidera, dizendo que foram analisadas quatro vias possíveis de transmissão do vírus. A primeira é a de transmissão direta do animal para o homem, a segunda através de um hospedeiro intermediário, a terceira por produtos congelados e, por fim, a quarta, a da possível fuga do laboratório.
Segundo o investigador, a segunda hipótese é a mais provável. Em relação à última, Ben Embarek sublinhou ser pouco provável, mas que estará de novo presente nas próximas investigações. O holandês referiu ainda que os morcegos se mantêm como o animal que poderá ter dado origem a este novo coronavírus, que terá sido passado ao homem por um hospedeiro intermediário, por outro animal, que ainda não foi possível identificar.
O chefe da equipa chinesa, o epidemiologista Liang Wannian, reforçou que os pangolins, as martas e os gatos continuam a ser estudados como possíveis reservatórios da origem do vírus, pois 11 mil análises feitas a outros animais em 31 províncias da China deram resultados negativos para este coronavírus. O epidemiologista chinês sublinhou também a hipótese de que o coronavírus pode ter sido passado ao humano através de alimentos congelados contaminados – tese que tem sido sustentada com o facto de o vírus ter sido detetado em alimentos.
Não se sabe quando é que a OMS regressará à China, mas Peter Ben Embarek deixou a garantia de que “este tipo de investigação pode levar meses, inclusive anos”.