O período que antecede a campanha eleitoral angolana tem sido profícuo na publicação de textos apresentados como sondagens, conferindo vantagens a um ou a outro partido político. Isso tem gerado mal-estar e acusações de manipulação.
Na verdade, a maior parte das ditas sondagens publicadas não o são, constituindo uma espécie de inquéritos online realizados aos “amigos “e simpatizantes digitais.
É evidente que, se alguém tem uma página digital pertencente ao partido A e promove um inquérito online, serão os seus “amigos” provavelmente pertencentes ao partido A que surgem a votar. Assim, o partido A obtém resultados esmagadores.
O mesmo acontece se o detentor da página for do partido B. Neste caso, serão os “amigos” do partido B que acorrem a votar, aparecendo resultados estrondosos a favor do partido B.
No fim de contas, não estamos perante sondagens, mas sim de manifestações de apoio politizadas. Neste sentido, é importante haver um esclarecimento público sobre o que é uma sondagem e o que não é uma sondagem, bem como sobre aquilo a que podemos chamar cientificamente um resultado fundamentado e aquilo que não passa de um exercício de propaganda.
Deve ter sido por isso que a Assembleia Nacional aprovou recentemente, na generalidade, a Proposta de Lei das Sondagens e Inquérito de Opinião, com 155 votos a favor, nenhum contra e 43 abstenções. O resultado da votação parece indicar que todos os partidos sentem necessidade de regular a questão das sondagens, divergindo apenas em detalhes.
A proposta de lei apresenta como objectivos “o acesso dos cidadãos a uma informação plural, rigorosa e credível (procurando) definir e regular a realização de sondagens e inquéritos de opinião, em matérias políticas, eleitorais, sociais, comerciais, económicas e noutros domínios”.
O conteúdo da lei determinará as regras e os princípios a serem observados na realização e divulgação de sondagens e inquéritos de opinião, estabelecendo que só poderão realizar sondagens e pesquisas de opinião as entidades licenciadas para o efeito, devendo as mesmas preencher determinados requisitos, como a apresentação de um capital social mínimo de 15 milhões de kwanzas, valor justificado como forma de garantir a solvabilidade suficiente para a reparação de eventuais danos causados a terceiros.
Com a aprovação da lei, a realização de sondagens obedecerá a regras e princípios específicos, sendo obrigatório o depósito do relatório da sondagem no departamento ministerial responsável pela Comunicação Social e na Entidade Reguladora da Comunicação Social (ERCA), antes da sua divulgação nos órgãos de comunicação social. No que diz respeito à matéria eleitoral, o depósito do relatório deve ainda ser feito também na Comissão Nacional Eleitoral. A lei reservará a todos os cidadãos o direito de apresentar queixa a entidades oficiais sempre que constatar irregularidades na sondagem ou no inquérito de opinião, para instruir as instituições visadas a corrigir os erros detectados.
Leis reguladoras das sondagens existem em vários países. Em Portugal, a Lei n.º 10/2000, de 21 de Junho, estabelece o regime jurídico da publicação ou difusão de sondagens e inquéritos de opinião. O essencial dessa lei dispõe que as sondagens só podem ser realizadas por empresas devidamente credenciadas junto da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC). A credenciação deve assegurar qualidade técnica e definir os princípios éticos pelos quais se pautará o exercício da sua actividade. As sondagens devem conter amostras representativas do universo pretendido. A publicação da sondagem deve explicitar não apenas as questões que foram colocadas, como também o universo de inquiridos, o período de recolha das informações, o método utilizado e a margem de erro estatístico. Existe também um mecanismo de queixas.
Note-se que, de acordo com a Portaria n.º 118/2001, de 23 de Fevereiro, as empresas de sondagens em Portugal têm de ter um capital social mínimo de aproximadamente 25 mil euros, tratando-se de sociedades comerciais, ou dois anos de exercício efectivo da actividade, nos restantes casos.
A existência de regulação de sondagens é habitual em várias partes do mundo, não apenas em Portugal. Em França, onde acabam de ser realizadas as eleições presidenciais, está em vigor a lei de 19 de Julho de 1977, alterada pela lei de 25 de Abril de 2016. Os seus termos não diferem muito do que está estabelecido na lei portuguesa e o objectivo central é sempre garantir a cientificidade e imparcialidade das sondagens. Foi mesmo criada uma “commission des sondages”, à qual compete estudar e propor regras tendentes a assegurar, no domínio da previsão eleitoral, a objectividade e a qualidade dos escrutínios publicados. Assim, a comissão tem todo o poder de verificar se os inquéritos foram encomendados, realizados, publicados ou distribuídos de acordo com a lei. Podemos encontrar mais exemplos de legislação sobre sondagens em variados países.
No entanto, esta legislação, seja em Portugal ou França, é anacrónica, e no caso de Angola o seu efeito será diminuto. Regressemos a França para perceber porquê. Face à lei francesa, é proibido divulgar previsões de resultados eleitorais enquanto as votações decorrem, o mesmo acontecendo em Portugal. Ora, na tarde eleitoral francesa das recentes presidenciais, a dado momento, já estavam por todo lado previsões que davam a vitória a Macron, publicadas na Bélgica, mas difundidas pelas redes sociais francesas. O que era proibido em França foi transmitido na Bélgica.
Em Angola, o cenário de impotência de qualquer eventual lei nacional é ainda maior do que em França. Por exemplo, uma das entidades que realizam inquéritos as eleições angolanas que estão a ser publicados com frequência nas redes sociais tem sede na Alemanha e divulga os seus resultados de forma digital em sites com servidores fora de Angola. Portanto, não se vê bem como uma lei angolana poderá regular essa actividade.
Cada vez mais, tudo se passa nas redes sociais. Portanto, ou se adopta um modelo de controlo e censura como o existente da China, que criou uma “grande muralha digital” para tentar evitar intromissões externas, o que mesmo assim tem resultados dúbios, e felizmente não existe em Angola, ou não há a muito fazer em termos legais. Mais eficaz será promover massivas campanhas de informação contra a eventual “desinformação”.
Repetimos o que temos defendido neste portal frequentemente. O direito é um auxiliar, mas em geral não resolve na sua totalidade a maior parte das situações. No caso das sondagens, não valerá muito a pena legislar antes das eleições. Não se vai resolver nada, antes se criando ainda mais ruído. Não estamos no século XX, mas na era digital transfronteiriça.