Perseguição dos generais Zé Maria e Fernando Miala: Kopelipa, Miala, Victor Lima e Salvador Sebastião partiram o lápis cedo- diz Maria Luísa Abrantes
Nunca tive curiosidade em saber quem eram os colaboradores directos do General José Maria e muito menos os seus homens às ordens.
Conhecia todavia, os responsáveis pela tropa que fazia a segurança pessoal do Presidente da República, assim como o Chefe das Comunicações, o General ‘Kopelipa’, que como atrás referi, reencontrei na qualidade de subordinado do Secretário para Defesa e Segurança, o General José Maria.
Ao saber que a Segurança do Estado tinha ex-militantes da FNLA como colaboradores, recordei-me que uma vez, nos primeiros meses de independência, o Bernardo Marques, um amigo angolano, quadro da TAAG, disse-me:
Sabes? Eu vou-te ser sincero. Eu sou da FNLA do coração, mas inscrevi-me na célula do MPLA da TAAG, porque é a única forma de eu subir na vida.
E assim foi. Ele ao menos foi sincero, o que é cada vez mais um raríssimo caso nos dias de hoje. Por isso, não estranhei quando soube que havia um ex-membro da BJR (Juventude da FNLA), a colaborar com o General Zé Maria na Presidência, recrutado para atrair jovens da FNLA para o MPLA, que era o Miala.
Refiro as causas da perseguição pela Segurança de Estado e em particular da Segurança Presidencial, não porque seja o objecto principal da minha narrativa, mas pela fixação que sempre tiveram na minha pessoa, como uma hipotética apoiante de outros concorrentes à Presidência da República, ou possível concorrente à Presidência da República.
As minhas deduções, devem-se ao facto de durante as eleições Presidenciais de 1992, o Dr. Alberto Neto (do PDA), candidato à Presidência da República, ter-me convidado a ser sua Vice-Presidente, o que recusei.
Da mesma forma, certa vez, o ex-Presidente da UNITA, Samakuva, durante uma recepção a si oferecida pela terceira Embaixadora de Angola nos Estados Unidos, questionou-me se tencionava apresentar a minha candidatura à Presidência da República.
No dia seguinte, o Sr. Dinho Chingunji que o acompanhava, sem nunca ter sido por mim convidado, apareceu na minha residência, fez-se anunciar, mas não o recebi.
Dinho Chingunji insistiu no mesmo dia por telefone, que retirou do meu cartão de visita que troquei no dia anterior com o dele, retribuindo a iniciativa de me ter oferecido o seu, referindo que o assunto era sigiloso. Acrescentou, que quem lhe tivera mostrado o meu endereço, teria sido um motorista de táxi, que o transportara a sua casa, que seria no mesmo bairro. Estranhei, pois raramente andava de táxi, embora existam coincidência, mas mantive a minha posição em não o receber.
Na mesma linha de pensamento, uma das Embaixadora americanas acreditadas em Angola, perguntou-me em duas ocasiões, se eu não pensava em candidatar-me à Presidência da República. Desconheço se tal raciocínio se deverá ao facto de, do ponto de vista de política social e económica, eu ter sido sempre crítica dos programas e da execução das políticas do Governo, gizadas pelo Partido no poder desde 1975, o MPLA.
Aliás, o MPLA, tem tido terreno livre, porque embora a oposição tenha alguns líderes brilhantes, os membros dirigentes que sustentam as suas organizações políticas são muito populistas, tem modus vivendi similares e já demostraram na prática, que o que mais lhes interessa é o poder e é facilmente corrompida. Defende a partilha de cargos elevados não por meritocracia, mas por acordos políticos assinados no passado e também usa como critérios de selecção, o tribalismo, o amiguismo e o nepotismo.
Voltando à minha análise sobre as causas da fixação da Segurança do Estado na minha pessoa, muito tarde apercebi-me que teriam promovido o homem à ordens do General José Maria, conhecido como Miala, sem qualquer patente anterior, que nem era seu Ajudante de Campo, como o próprio referiu durante o seu julgamento, pela acusação de ter-se apropriado indevidamente de material histórico classificado como secreto.
Não são conhecidos colegas de Miala com quem tenha concluído o ensino liceal, nem são conhecidas instituições de ensino onde estava, porque até o final da guerra não havia aulas nocturnas, à semelhança de Victor Lima, Salvador Sebastião e ‘Kopelipa’, entre outros colaboradores da Presidência da República, que como se diz na gíria, “partiram o lápis cedo”.
Era Miala que levava o pão diariamente à casa do General Zé Maria (todos evoluímos), e teria sido recrutado pela Segurança de Estado, a partir das fileiras da BJR (movimento juvenil da FNLA), para atrair jovens desse Partido oriundos da República Democrática do Congo, para ingressarem na Segurança de Estado, a troco de bolsas de estudo na Ilha da Juventude em Cuba e de cargos no aparelho de Estado.
Apercebi-me da promoção de Miala, porque em 1990, quando eu era Directora do GIE – Gabinete de Investimento Estrangeiros-, enviou-me um jovem, com a 8.ª classe, que exibiu uma credencial assinada por ele, com a orientação verbal, de que eu deveria admiti-lo para trabalhar comigo. Recusei redondamente, e apercebi-me que estava a lidar com gente muito básica.
Faço aqui um parêntesis, para dizer que só soube anos mais tarde, em 2007/8, que foi também Miala quem recomendou em 1986/87 o envio de um grupo de jovens provenientes do então Zaire (República Democrática do Congo), de onde ele era proveniente, que entraram na Direcção Nacional da Indústria Pesada, onde era Chefe de Departamento e Directora Interina, entre 1985 e 1987, com a categoria de técnicos superiores, quando ainda eram estudantes, sem qualquer experiência e com sérias dificuldades de escrever em português. Havia apenas dois muito complicados o Kiala Gabriel que chegou a Vice-Ministro da Indústria e o Vita, que foi depois transferido para o Ministério do Comercio Externo, onde também esteve Tete António.
Entre o final dos anos 80 e os anos 90, os Serviços preferidos por Miala para beneficiar e infiltrar os seus correligionários da FNLA, oriundos da RDC, eram os Ministérios do Comercio Externo e Interno, das Relações Exteriores (anteriormente, a Secretaria de Estado da Cooperação), da Indústria e da Habitação.
Mais tarde, Miala dominou completamente a TAAG, onde fez ascender funcionários da carga não qualificados a PCA, como Miguel Costa e o Director Comercial, Ernesto Monimambo, que passou posteriormente para o sector dos diamantes e a ENDIAMA, onde propôs a nomeação do Magistrado Militar, o General Agostinho Gaspar.
In UMA VIDA DE LUTA, de Maria Luísa Abrantes’
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